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"...e a vida segue, com o tempo nos calcanhares da esperança..." (E tudo passou - 20/03/2012)

terça-feira, 13 de abril de 2010

A magnólia da saudade



"Ela havia saído de casa cedo, nem esperou o sol,
fez seu trajeto diário,
contemplou os pássaros,
beija-flores,
viu os primeiros raios de sol no mar,
deixando a energia daquela manhã tomar conta de sua imaginação,
saía de casa apressada para procurar livros,
queria ler,
queria palavras que acalmassem seu coração daqueles novos tempos,
solidão sentia demais,
mesmo, não só,
chegou numa livraria, essa estava vazia,
na porta, um pequeno bilhete dizia que aquela livraria estava fechada,
e que os donos haviam se mudado para outra cidade,
foi então para a outra livraria do outro lado da rua,
esta estava fechada para manutenção do prédio,
na porta o funcionário tentava lhe explicar que não tinha como entrar,
era cedo, o prédio estava em manutenção a dois dias,
e ela lembrava de passar ali no dia anterior,
mas não lembrava de ter visto a livraria fechada.

Andou pela cidade, alguns dormiam, outros acordavam, despertavam,
e ela acordada a horas, precisando ler algo pra acalmar-se de seu tédio interior,
de repente avistou uma banca de jornal abrindo,
foi até o jornaleiro, perguntou se haviam livros, e ele disse que sim,
haviam chegado vários livros, mas que ele não havia levado,
pois cansado de levar livros e ninguém comprá-los,
resolveu que naquela manhã não venderia livros,
só jornais e revistas....
- quer um jornal, senhora do vestido vermelho?
- não, quero um livro, quero saciar minha sede de ler um livro com uma história inesquecível, algo que invada minha alma e me faça sorrir ou chorar, nem que seja pela última vez, quero emoção, aquela que só um bom livro pode dar...
- que pena, hoje estou sem nenhum, nem sei se voltarei a vender livros...
Um vendedor de flores, lhe indicou então, uma banca próxima da Igreja, a duas quadras dali,...
- mas aí terei de atravessar a praça e passar no meio dos pombos, não, isso, não...
odeio pombos, e tenho medo de passar entre eles...
E então ela se dirigiu para a banca, mesmo sabendo que não havia outra forma de chegar lá, a não ser por entre os pombos, porém, sabia também, que não havia outro lugar, e que se quisesse ler algo naquela manhã, seria naquela banca na praça dos tais pombos...

Chegou na praça, sentou-se,
e de longe avistou as pessoas que por ali passavam, muitas se importavam, mas seguiam em frente, outras não demonstravam preocupação com eles e passavam pela praça, como se eles nem estivessem ali....

Sabia que queria um livro, talvez um livro também a quisesse, e estivesse do outro lado, na banca lhe esperando,...

Pensou em desistir, ir para casa e esquecer tudo, não ler, não procurar explicação para aquela enorme vontade de ler algo escrito durante horas, por alguém que queria conversar com ela através de linhas, através de páginas, mas também sabia que não era de desistir tão facilmente, era sagitariana, e quando queria algo, queria mesmo, e,conseguia,...

Aquela manhã ficaria marcada na vida dela para sempre,
e ela sabia disso,
e sentia isso,
tão intensamente, que não pensou duas vezes,
criou coragem,
levantou do banco,
fixou seu pensamento na banca de jornais,
fechou seus olhos e partiu,...


atravessou de olhos fechados aquele imenso corredor,
com pombos fazendo barulho a sua volta,
durante o percurso,
pensou por um instante, como estaria em casa, sua planta favorita,

Alma...



lembrou com nitidez de seu primeiro dia andando de bicicleta,
do momento em que caia e ouvia alguém dizendo:
- levanta e segue, tombos acontecem, não foi a primeira vez que tu caiu, não será a última, levanta filha,...
e ela sempre levantava e seguia, ....
lembrou também do seu medo da relâmpagos,
de quando era madrugada, e ela ouvia longe trovoadas,
e disparava para a cama de sua mãe,
até o dia em que seu pai a pegou,
levou a menina para a janela e a fez assistir o arco-íris depois da tempestade,
lhe dizendo que nunca precisava ter medo de algo barulhento e assustador,
pois após grandes trovões, sempre existiria aquelas cores no céu...

E então, após atravessar aquela revoada de pombos, abriu os olhos,
e ainda tremula,
perplexa, diante de sua coragem,
percebeu que a banca não existia mais,
ali agora havia uma escolinha para crianças,
ela olhou para trás, e percebeu que os pombos haviam sumido,
e que a praça estava vazia,
sua alma sentiu-se entristecida,
ela perdeu o medo daqueles pássaros,
mas manteve seu coração vazio, triste,
sem ter o que ler,

ouviu o barulho de um portão se abrindo,
olhou para a escolinha,
e viu uma menina se aproximar dela,
a menina vestia um vestido vermelho,
seus sapatos, vermelhos também,
ela lhe olhou por segundos,
pegou sua mão,
e lhe entregou uma magnólia,
ela então olhou para o lado e percebeu que na entrada da escolinha existia um lindo jardim com magnólias de todas as cores,
a menina abriu o portão, estava partindo e ela disse:
- ei, qual o seu nome?
- Izabeli, respondeu a menina dos sapatos vermelhos.

E ela voltou para casa,
pelo mesmo caminho,
percebendo em seu trajeto, pessoas,
animais,
carros,
um céu azul, que lhe acompanhava,
e também o sol,
que brilhava como nunca antes tinha brilhado...

Chegou em casa,
abriu a porta,
olhos de promessas incumpridas,
percebeu-se triste,
feliz por ter visto no olhar de pequena menina,
o amor,
a simplicidade de um alguém tão inocente,
e de um gesto tão emocionante,...

Quando entrou em casa, pisou em algo,
notou que era um envelope, uma carta,
alguém que lhe mandava notícias,
alguém que lhe mandava palavras de amor,
de carinho,
alguém que lhe trazia verdades e poesia,
alguém que não queria lhe deixar só....


e ela então,
pegou aquela humilde carta,
a abriu com todo cuidado,
e a leu:


"Para você...

Quando te entregarem essa carta, estarei chegando no campo de batalha,
não sei se sobreviverei à guerra, nem sei se chegará esta carta também,
mas espero que tu pense em mim, assim como penso um monte em ti,
queria que tu lesse ela, no teu jardim,
sentada naquele banco que coloquei ali com tanto carinho pra conversarmos à noite,
sentados próximos das flores que colhi um dia pra te acordar,
não fica esperando perguntas,
nem imaginando respostas,
vive teu dia, tua vida,
como se fosse sempre uma eternidade,
lembra de nossos planos,
de minha timidez,
de nossos medos
e de nossas madrugadas,
agora chove aqui,
são tanques,
armas,
feridos,
bombas de todo lado,
meu coração, ás vezes, parece que vai explodir,
não sei se de medo, acho que de tristeza mais ainda,
não foi fácil partir, sem te dizer o porquê,
também não adiantaria te explicar, não deixarias eu vir,
me dirias, como sempre me diz,
- não vai, deixa que os outros percam tempo na guerra,vamos construir nossa história, plantar nossas flores, regar nosso jardim, que seca lá fora,...

mas não adiantaria, sabes que eu viria igual,
é o que faço,
é o que gosto,....

agora preciso ir,
as cartas já estão indo, para serem entregues no correio,
essa só ainda não foi fechada,
porque alguém de bom coração, entende que preciso te dizer que te amo...
e te amo,...

até daqui a alguns dias,
a gente se vê, se fala,

um dia longe de ti, já foi uma eternidade,
imagina uma eternidade...

adeus...


ah!!!

guarda esta carta com alguma flor,

espero que encontres uma magnólia..."



E aquela carta preencheu de paz e alegria aquele coração perdido,

para sempre...

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